04 março 2009

Vertentes Sonoras do Sonho

   

por Fabiano Turbai

Quando o nome Daydreaming foi cogitado e posteriormente adotado já tínhamos identificadas as sonoridades que nele estariam embutidas, mesmo que consideradas de modo aleatório.

À medida que o assunto passou a ser pensado com mais objetividade, e uma vez fixados os pilares básicos do que seria o projeto, o conceito informador da festa ganhou forma bem definida.

Pude reconhecer, então, vertentes sonoras essenciais ao projeto, as quais embora apresentem pontos básicos de contato entre si (basicamente a capacidade de proporcionar a provocação dos sentidos, influindo na percepção da realidade e gerando uma sensação de arrebatamento/enlevo) também têm as suas particularidades bem delineadas, possibilitando a sua alocação numa “tribo” específica, o que pode ser útil para a exploração de “nichos climáticos” no decurso da festa.

Nesse sentido, tento esboçar abaixo um elenco não exaustivo das principais correntes musicais vinculadas ao projeto Daydreaming, iniciativa esta que poderá servir para ilustrá-lo aos eventuais interessados:

Vertente 1
Nuggets. Bandas tais como Nazz, Electric Prunes, Seeds e Count Five, resgatadas pela compilação “Nuggets: Original Artyfacts from the First Psychedelic Era (1965-1968)”, realizada em 1972 pelo “professor” Lenny Kaye, futuro guitarrista da banda de Patti Smith. Em comum, o fato de os artistas, terem uma seminal e contagiante sonoridade “psicodélica-garagística”. Posteriormente, foram lançados mais três discos complementando a inicial seleção de 27 faixas. Essa iniciativa foi tão importante e influente que a “moda” dos nuggets se espalhou, para o bem ou para o mal, ainda que de forma não oficial, mundo afora. Há saborosos nuggets britânicos, e até mesmo insossos quitutes finlandeses. Filão a ser explorado nas próximas edições da Daydreaming.

Vertente 2
Bandas eminentemente psicodélicas, entre os quais os fundadores do chamado rock psicodélico, ou que tenham importante influência de tal gênero na sua obra, mesmo que apenas num momento determinado, geralmente no período 1967-1969 (vide The Beatles, The Rolling Stones, The Who, Pink Floyd etc). São aquelas figurinhas mais do que carimbadas, cujos nomes vêm à mente com a simples menção da palavra mágica “psicodelia”. Não sei por qual motivo estou pensando agora em The Jimi Hendrix Experience, The Zombies, Love, The Move, The Grateful Dead e Jefferson Airplane...

Vertente 3
O Velvet Underground é, sem dúvida, uma das bandas mais influentes da história do pop-rock. Sua combinação de melodias doces, ora chapadas, com intrincados jogos da mais pura distorção e microfonia contribuiu para moldar a personalidade de muitos outros artistas que viriam a seguir. Isso significa fundar uma vertente que gera alterações sensoriais. Que o digam outros mestres como Sonic Youth e The Jesus and Mary Chain, além de bandas recentes que carregam várias camadas de influência dentro dessa linha sequencial: Vivian Girls, Crystal Stilts e Manhattan Love Suicides.

Vertente 4
O clima é etéreo e plácido, possibilitando voos sem muitas turbulências. A sonoridade classuda, privilegiando melodias invariavelmente idílicas. Os vocais, não me perguntem o porquê, quase sempre femininos. Os representantes máximos são o dream pop do Cocteau Twins e o espetacular Stereolab, criador de uma saborosa salada musical francófila regada a notas emitidas por um farfisa irresistível. Outros companheiros de viagem? Allison Goldfrapp, Blonde Redhead, graças a muitas das canções do excelente álbum “23”, lançado em 2007, e School of Seven Bells.

Vertente 5
Groove ácido. Perfeitamente sintonizados com seu tempo, músicos oriundos da black music deram contribuição essencial para o desenvolvimento e consolidação da psicodelia. É o caso de Edwin Starr, The Temptations, Sly and the Family Stone, The Chi-Lites, Parliament/Funkadelic e até mesmo de Curtis Mayfield. Muita dança turbinada com ruídos extras inebriantes.

Vertente 6
Lá pelos idos de 1989, a outrora conhecida Manchester entra em ebulição e é refundada com o nome Madchester, muito em razão de artíficies que de alguma forma reprocessaram a psicodelia. Nomes como Stone Roses, Inspiral Carpets e Charlatans. E outros não tão flagrantemente psicodélicos, tendendo ora para o eletrônico (808 State) ou para o dançante (Happy Mondays), mas também com boa dose de lisergia. Era mais um passo da manifestação de novas sonoridades com influência psicodélica, fato este que facilitou a ascensão posterior de artistas mais relevantes, como Primal Scream. Madchester seria a repetição em escala superdimensionada (inclusive devido a interesses midiáticos) do que já se observara anteriormente com, por exemplo, Echo and The Bunnymen (post punk psicodélico?), e do que seria constatado ulteriormente com Spacemen3 e Spiritualized? A única coisa que sei é que a psicodelia manifesta-se após o seu período de ouro, aqui e ali, de tempos em tempos, em maior ou menor frequência, seja de forma mais diluída (casos dos rockers Oasis, QOTSA e BRMC) ou em estado mais bruto (Darker My Love, Warlocks e Oscillation). E a isso dou a denominação de Neo-psicodelia.

Vertente 7
Sons do pesadelo (ou quando o sonho se transforma em pesadelo, e o pesadelo é tão sedutor quanto o sonho). Uma nuvem pesada paira sobre a pista. A promessa de chuva é consistente. Ouve-se um barulho, então. Parece o início de operação de uma máquina de porte industrial. Percebe-se depois que se trata do oscilador pilotado pelo seminal Silver Apples. Em seguida, o ambiente fica mais fechado: as chibatadas elétricas de "No Pussy Blues", do Grindermen, ecoam por todos os cantos. Tudo são ruínas quando as sombras de “We Carry On” (Portishead) e o minimalismo soturno de “Ghost Rider” (Suicide) atravessam o espaço trombeteando um novo ciclo de pesadelos (ou seriam sonhos?).

Vertente 8
Tempestades de barulho. Explosões de guitarras em fúria. Breves calmarias. Novas ondas de caos sonoro. Vocais flutuantes e “fora de foco”. Notas tremidas e reverberações. A soma dessas características resulta numa experiência arrebatadora de nome My Bloody Valentine. E na trilha aberta seguem em fila Ride, Chapterhouse, Swervdriver e outros shoegazers.

Vertente 9
A corrente eletrônica não poderia deixar de marcar presença. Submeta-se a uma sessão de hipnose com o pai de (quase) todos, Kraftwerk, ao som da e-psicodelia acachapante do Chemical Brothers, e permita-se flanar pelas paisagens espaciais geradas pelas batidas quebradas de LTJ Bukem.

Vertente 10
Essa é pra levar pra casa embrulhada, devido à dificuldade de enquadramento numa pista de dança. A música desse pessoal é viajante, mas ao mesmo tempo, e em geral, excessivamente chapada ou cerebral demais ou muito, muito calma, ou todas estas opções ao mesmo tempo, motivo pelo qual recomenda-se a sua apreciação no recesso do santo lar. Manda um Mazzy Star, um Galaxie 500 e um Neu aí, pra viagem, por favor!

4 comentários:

  1. olha que mazzy star, cowboy junkies, galaxy 500 hundred rola sim hein...
    ficou muito bom esse post pra falar sobre os sons da festa . abraços.

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  2. Mazzy Star até rolou na primeira edição!

    Mas é bom confundir um pouco ; )

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  3. Eheheh
    Pra falar a verdade acho que Galaxie rola tbm... 4th of July?

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  4. É irmão,...como sempre escrevendo muitoo bem!!

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