14 junho 2009

A Vitória de Fausto

   

No início dos anos 70 do século passado, um dos próceres do krautrock, o germânico (de Wümme) Faust, pôs fogo na cena pop, lançando uma série de discos impressionantes, hoje considerados clássicos sem precedentes. A proposta da banda, extremamente autoral, não deixava brechas para interferências externas. O que se ouvia era um som inovador e experimental, calcado na combinação de ataques incessantes de ruídos e de cacofonia com tintas de uma psicodelia nada iluminada, porém sombria, urbana e industrial. Dissonâncias caras ao free jazz também eram bem-vindas, assim como a utilização de elementos eletrônicos e a adoção de procedimentos artística e ideologicamente admiráveis, mas também potencialmente suicidas naqueles tempos, como a pioneira utilização da técnica conhecida como “corte e cola” a qual, como sabemos, viria a influenciar futuramente variadas famílias musicais.

A trajetória da banda, esse resultado artístico ímpar alinhado com uma postura consideravelmente soberana na concepção de sua arte gerou-me a jocosa dúvida acerca da existência de alguma espécie de pacto mefistofélico. Pensando no assunto, cheguei à conclusão de que conjugar no passado é impróprio quando se fala em Faust, mesmo porque a banda continua na ativa (embora com uma formação de estúdio e outra para apresentações ao vivo) e com seu espírito intocado, longe de ser mais um dinossauro decrépito. A prova é o obscuro e quase ignorado “C’est Compliqué”, lançado em... 2009. Nele, paisagens sonoras cinzentas e devastadas, levadas mesmerizantes, batidas cruas e tribais, além da indefectível e exata marcha matemática tão cara ao krautrock, dizem, mais uma vez, um sonoro presente. Uma íntegra resistência ao tempo, portanto. Prova de que a banda subverteu a lenda. Dessa vez, Fausto deu uma rasteira em Mefistófeles.

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Faust vence Mefistófeles. Apresentação incendiária em 2006.

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